GÊNERO,
SEXUALIDADE E INFÂNCIA: CORPOS E FORMAS DE GOVERNO EM INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
NO BRASIL[1]
GÉNERO,
SEXUALIDAD E INFANCIA: CUERPOS Y FORMAS DE GOBIERNO EN LAS INVESTIGACIONES
PENALES EN BRASIL
GENDER, SEXUALITY AND CHILDHOOD: BODIES AND FORMS OF
GOVERNMENT IN CRIMINAL INVESTIGATIONS IN BRAZIL
João Paulo Roberti Junior [2]
Maria Juracy Filgueiras Toneli[3]
Adriano Beiras[4]
O
que meu pai e minha mãe protegiam não era os meus direitos de criança, mas as
normas sexuais e de gênero que haviam sido inculcadas dolorosamente neles
mesmos, por um sistema educativo e social que punia toda forma de dissidência
Paul Preciado
Resumen
Este
artículo explora la relación entre género, infancia y sexualidad a partir de un
trabajo etnográfico realizado en una comisaría en el Sur de Brasil, donde se
acompañaron investigaciones criminales de casos de violencia sexual contra
niños y adolescentes. Se seleccionaron viñetas de estas investigaciones que
componen un escenario posible de diálogo con los estudios de género y de la
infancia para pensar cómo los discursos de protección y garantía de derechos
están posicionados en un espacio de intervención y gobierno de esos mismos
elementos. Demostrando que tanto la infancia como el género están pautados por
imágenes desconectadas en el contexto de estos sujetos y que en las formas de
protección también se acentúan formas recurrentes de normatización de niños y
adolescentes en el campo de la sexualidad. Se asevera que existe una lógica
hegemónica que está articulada en los discursos de los sujetos que transitan
esos espacios y que comulgan con el ejercicio de un lenguaje normativo que
necesita ser problematizado con el campo de los estudios de género y de la
sexualidad en la infancia.
Palabras
clave: violencia sexual, infância, género, cuerpo, sexualidad
Resumo
Este artigo explora a relação entre
gênero, infância e sexualidade a partir de um trabalho etnográfico realizado em
uma delegacia no sul do Brasil, onde acompanhou-se investigações criminais de
casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Foram selecionadas
cenas destas investigações que compõem um cenário possível de diálogo com os
estudos de gênero e da infância para pensar como os discursos de proteção e da
garantia de direitos estão posicionados em um espaço de intervenção e governo
desses mesmos elementos. Demonstrando que tanto a infância quanto o gênero
estão pautados por imagens desconectadas no contexto destes sujeitos e que nas
formas de proteção também se acentuam maneiras recorrentes de normatização de
crianças e adolescentes no campo da sexualidade. Assevera-se que existe uma
lógica hegemônica que está articulada nos discursos dos sujeitos que transitam
nesses espaços e que comungam o exercício de uma linguagem normativa que
necessita de problematização com o campo dos estudos de gênero e da sexualidade
na infância.
Palavras-chave:
violência sexual, infância, gênero, corpo, sexualidade
Abstract
This article
explores the relations between gender, childhood and sexuality on the daily
life of criminal investigations held in a police station in South of Brazil.
The research was based on ethnographic observation and the tracking of police
investigations. In this work scenes of these investigations are selected to
provide a setting from which we could dialogue with the fields of gender and
childhood sexuality studies. The article demonstrates that both childhood and
gender are grounded on a decontextualized imagery of those categories in the
context of those investigations. It also highlights that the forms of
protection accentuate the ways in which children and adolescents sexuality is
being normalized. At the end we suggest that there is a hegemonic logic
underlying the discourses of the subjects transiting the police station, who
share a normalized language which, in turn, demand problematization within the
fields of gender and childhood sexuality studies.
Keywords: sexual violence, childhood, gender, body, sexuality
recepción: 17 de agosto de 2019
aceptación: 17 de diciembre de 2019
Introdução
A epígrafe que abre este artigo tem
por finalidade enunciar dois elementos que este trabalho se propõe analisar, a
ideia da infância sob os estudos de gênero e sexualidade e os dispositivos que
produzem e articulam tais categorias. No enfoque a proteção à criança, existe
atualmente uma circulação e uma produção de práticas, discursos, medos e
emoções que assentam uma hegemônica normatividade de gênero e sexualidade para
esse período de vida. Para isso, propomos uma reflexão sobra as práticas de
prevenção e punição à “violência sexual”[5]
contra crianças e adolescentes a fim de entender como os sujeitos e os corpos
destes sujeitos se constituem e se configuram diante desta trama política.
No caso da
proteção de crianças e adolescentes, estes sistemas sociais, estão traduzidos
em diversas práticas como as políticas públicas destinadas a proteção da
criança e do adolescente, leis, discursos científicos como da pedagogia e da
psicologia, abrigamento em instituições de educação e guarda (escolas, creches,
orfanatos e etc.). E por fim incluem-se, também, práticas investigativas para
punição de possíveis crimes perpetrados contra crianças e adolescentes e é
sobre este último que este artigo irá versar, pois versar sobre a “violência
sexual” na infância, significa adentrar num campo polêmico e polissêmico que
mobiliza discursos e práticas que caminham concomitantemente para demonstrar
que “a sexualidade, assim como o gênero, é política” (Rubin, 2017, p. 127).
Para isso,
acompanhamos em uma delegacia, investigações criminais realizadas a partir da denúncia
de possíveis crimes de estupro contra crianças e adolescentes. E, para fins do
presente texto, selecionamos algumas cenas que demonstram de que forma as
políticas de “prevenção” e punição à “violência sexual” podem também se
constituir sob liames que normatizam e enviesam gênero, corpo e sexualidade na
infância.
Nesta análise
partimos do referencial teórico-analítico de Foucault sobre
os dispositivos da sexualidade (Foucault, 2015) para entender de que maneira a
infância é produzida a partir de ideais normativos condicionados por regimes de
verdade amplamente estabelecidos no interior de práticas discursivas. E
no caso das investigações criminais propomos colocar em evidência os modelos
normativos que operam em práticas investigativas e punitivas. Pois, “há
regimes diferentes de poder que produzem os conceitos de identidade sexual e a
correspondente relação mimética entre gênero e sexo” (Toneli, 2008, p. 69).
Infância,
gênero e sexualidade: entre dimensões teóricas e críticas
Articular infância[6], gênero
e sexualidade é adentrar na tensão de uma temática composta por ideias que se
complexificam na medida que se entrecruzam. Isso implica entender que se trata
de um ponto de vista matizado, habitado por inúmeras ideias e perspectivas que
explicam ou não a possibilidade de intersecção entre tais temáticas. O desafio
é a possibilidade de problematizar a uniformidade e universalidade da concepção
de “infância” que carrega também um viés da sexualidade e das relações de
gênero marcado por estas concepções. Além disso, em muitas das análises e
pesquisas realizadas está presente a ideia de que a sociedade não é apenas
androcêntrica, mas também adultocêntrica (Saffioti, 2001) e em grande medida,
são raras ainda as iniciativas que investem analiticamente nas intersecções
entre gênero e infância (Minella, 2006).
Sabemos que há
muito a avançar para compreensão da categoria “infância” enquanto categorial
social plural e não universal[7],
do tipo geracional composta e atravessada pelas diferenças de classe, gênero, geração,
raça, etnia e geografia (Pretto & Lago, 2013). É mediante a premissa da
impossibilidade de tornar a criança objeto passivo das práticas sociais,
culturais, educacionais e políticas, que conseguimos abarcar os fenômenos
supracitados.
Diante de todas as
categorias necessárias ao debate, a relação entre corpo, sexualidade, gênero e
infância, está presente na vida social sob as mais diversas formas. Expressões
como “a criança não tem malícia”; “a criança é um ser puro”; “a criança não tem sexualidade”, ou mesmo
a ideia contraditória de “preservar a
sexualidade e o corpo da criança” são ainda comumente reproduzidas e
demonstram que há “uma vigilância constante em dominar os corpos infantis e
suas expressões de sexualidade” (Xavier Filha, 2016, p. 86). Além disso, nos
fazem pensar que “diferentes teorias de gênero não coabitam apenas no debate
acadêmico e intelectual, mas estão presentes nas práticas e discursos sociais e
também políticos” (Maluf, 2006, p. 2).
Se por Foucault
(2015) a sexualidade é um dos dispositivos de controle por meio do qual a
sociedade atua, formando e produzindo o sujeito em uma determinada direção, a
infância torna-se local legítimo para reprodução de tais domínios. Por isso,
entender o gênero como uma forma primária de dar significado às relações de
poder (Scott, 1989) nos possibilita apreender como e quando os diversos
dispositivos reproduzem práticas e visões hegemônicas que privilegiem uma certa
preponderância universal do gênero para a infância. Algumas produções
acadêmicas (Freire, Sabarenese & Branco (2009); Ribeiro, (2006); Muylaer,
Delfini & Reis (2015); Fornari, Sakata-So, Egry & Fonseca (2018), por
exemplo, demonstram que existe uma matriz composta pela naturalização dos
sistemas que normatizam o gênero na infância. Além disso, a grande maioria das
pesquisas que tratam da relação entre gênero e infância, reificam a ideia
binária do sexo em seus estudos, quando realizam trabalhos em sistemas
institucionais e estes sistemas também privilegiam esta perspectiva,
demonstrando que dimensões teóricas e críticas sobre infância e gênero podem
também apresentar dissonâncias[8].
Isso nos ajuda a
entender que as coordenadas constitutivas do campo da sexualidade na infância
têm como corolário a reconfiguração e o estabelecimento de um campo discursivo
que coloca em cena enunciações sobre
a sexualidade. Tais enunciações só são possíveis mediante um jogo de
poder que insere a sexualidade como sendo um dos seus instrumentos de controle
(Foucault, 1987). Portanto, a sexualidade enquanto produção constituinte no
interior de um conjunto heterogêneo de práticas discursivas ancoradas em
modelos de poder-saber (de leis, de pressupostos científicos, religiosos,
filosóficos, etc.) opera mediante a constituição de processos de
subjetivação. E tais processos, são oriundos de modelos derivados de uma
tradição teórica idealista que instituiu modelos de poder e saber para se
pensar gênero e sexualidade na infância.
Ao nos voltarmos
aos estudos de Preciado (2014) entendemos a necessidade de ampliar a analítica
que reside na operação dos regimes sexuais entre infância e gênero, pois
segundo ele, a criança é o “álibi que permite naturalizar a norma”. Crianças
“estranhas”, meninos que se travestem, crianças que possuem dúvidas sobre o
sexo, meninas que não fazem brincadeiras esperadas para o seu sexo (ou, que não
gostam de rosa como a grande maioria) e que não reproduzem relações tipicamente
“gendradas” (Lauretis, 1987) entre outras, requerem atenção, pois não se
enquadram na racionalidade moral e científica estruturada através da grande
preocupação com a infância. A infância é particularmente especial, pois refrata
os dispositivos de sexualidade que sustentam o regime sexual vigente pautado
através da unicidade e coerência da experiência do gênero e da sexualidade sob
seus corpos. Nesse sentido a “criança é um artefato biopolítico que garante a
normalização do adulto” e assim “a norma faz sua ronda em torno dos corpos
frágeis” moldando e designando modelos de ser a agir nos corpos destes sujeitos
(Preciado, 2014, online).
Segundo Ferreira
(2016), as crianças que não se adequam à norma do campo de elaboração de
experiências consideradas legítimas e, mesmo inteligíveis, acabam ficado
expostas a possibilidade de serem expurgadas da própria política de proteção à
infância, dado que os adultos querem proteger as próprias normas que os
ensejaram e constituíram (Preciado, 2014). Veremos no próximo tópico como a
proteção à infância e a preocupação com a “violência sexual” torna-se objeto
normativo desenvolvido e amparado em nome das crianças. Por isso, aqui a
elaboração do diálogo entre gênero, sexualidade e infância, é entendido como
produção situacional que nos permite focar a ação política destas categorias a
partir da análise dos mecanismos de poder que engendram essas produções.
Considerando então
que o gênero é constituído e constituinte de relações de poder (Butler, 2003)
quando se afirma “é um menino!”, não
estamos descrevendo um menino, mas criando um conjunto de expectativas para
aquele corpo que será construído como menino (Bento, 2011). E muitas das
crianças são destinadas a se tornarem heterossexuais, submetidas a um conjunto
de normas que as acompanha desde o nascimento e atravessa inclusive todas as
ações a elas destinadas, como veremos adiante nas tramas das investigações
criminais.
Sobre
as tramas das investigações criminais
Atualmente no Brasil, uma das
intervenções possíveis e mais imediata – além de obrigatória – diante de crimes
ou da possibilidade de ocorrência de “violência sexual” contra crianças e
adolescentes é o âmbito processual-penal. A questão imediata e obrigatória
reside na intervenção legal, que ampara a realização de investigações criminais
em casos de denúncia, fazendo com que a família, a sociedade e o Poder
Judiciário tomem medidas a fim de proteger e amparar os sujeitos que são
vítimas de tais crimes.
De imediato, um
crime sexual praticado contra uma criança pode se ajustar em diversos tipos
penais, que vão se enquadrar conforme a tipicidade do crime e a forma que ele
ocorreu. O Dispositivo Constitucional Brasileiro (Constituição do Brasil,
1988), deu ensejo a uma vasta legislação protetora da infância (Lei nº 8.069,
1990) e se encarregou de destacar garantias e prever punições para os casos de
inobservância de crimes deste tipo.
Considerado como
crime hediondo, ou seja, um crime que merece maior reprovação por parte do
Estado, o crime de estupro contra crianças e adolescentes, é permeado por
inúmeras questões e dinâmicas para os sujeitos que vivenciam o processo através
do aparato processual-penal. O primeiro passo para que uma possível “violência
sexual” ingresse no sistema de justiça é a realização da notificação[9]
para algum dos sistemas de garantia de direitos.
Após a
notificação, são realizados procedimentos (como a escuta de depoimentos) em uma
delegacia. A delegacia fica responsável em entender a dinâmica da denúncia e
principalmente da autenticidade de tal denúncia. São cuidados que precisam ser
tomados a fim de resguardar as precauções legais ao processo e também para
resguardar todas as partes envolvidas na notificação.
Somente inicia-se
o recebimento da denúncia, após a realização da devida investigação criminal,
que, por sua vez, visa trazer indícios suficientes ou não da autoria do crime. A
denúncia é o caminho necessário e fundamental para se chegar à uma sanção penal
e requer que sejam asseguradas e observadas normas previstas no código de
processo penal e nos direitos constitucionalmente assegurados ao acusado e à
vítima (Dobke, Santos & Dell´aglio, 2010). É neste contexto que propomos
descrever a seguir como o gênero é produzido nas investigações criminais de
“violência sexual” contra crianças e adolescentes e como as relações de poder
constroem e/ou dão visibilidade a corpos e subjetividades diferentes da norma.
Acompanhando
cenas
Era uma segunda-feira à tarde, a
delegacia havia recebido uma requisição do Ministério Público e naquele momento
nada fora do comum acontecia. Naquela tarde, ao conferirem o documento em
requisição protocolada, todos ficaram surpresos. Tratava-se de um possível
crime que aconteceu no passado, há cerca de oito anos atrás. Como a delegacia
dispunha de psicólogos-policiais para auxiliar nas investigações criminais, a
psicóloga-policial responsável foi chamada para acompanhar o caso e ficou
responsável por realizar algumas ações.
A inquietação da
requisição se tratava da necessidade de um levantamento aprofundado e preciso
referente a uma “violência sexual” perpetrada contra uma criança que tinha 10
anos de idade quando o crime ocorreu. Ao tomar conhecimento de tal solicitação,
toda a trajetória da denúncia é aberta e se descobre que quem estava por trás
da denúncia era a própria vítima, agora com 18 anos de idade. Agora com a
maioridade, a vítima havia procurado a promotoria de justiça para denunciar e
processar seu abusador.
Tal solicitação é
recebida com espanto, pois, até então, a delegacia nunca havia presenciado tal
desenlace de um crime perpetrado há tanto tempo e nos documentos, estava
descrito aquilo que impulsionava o adolescente a “buscar justiça”. O denunciante, então com 18 anos, procurou o
Ministério Público para denunciar o crime praticado contra ele, sob a alegação
de ser gay por conta do estupro que sofreu.
A requisição foi
elaborada para delegacia conforme a própria denúncia do adolescente, e continha
além do histórico das partes envolvidas, aproximadamente 10 questões fechadas
que foram formuladas com base na narrativa do próprio denunciante. Segundo sua
própria requisição, ele desejava “encerrar
isso de uma vez por todas”, pois, “só
hoje conseguia entender o porquê de estar passando por essa triste condição”. Esta
“condição” referia-se ao fato de ser gay e buscava imprimir uma escala
valorativa a esta situação. A
promotoria via facilidade em resolver o caso com o auxílio de uma
psicóloga-policial e por isso solicitou a realização de uma avaliação
psicológica que contrapusesse ou não as questões formuladas pela promotoria em
conjunto com o adolescente.
As perguntas a
serem respondidas eram diversas e iam desde a necessidade de explicar como
ocorreu o crime, até aos possíveis encaminhamentos de ajuda psicológica para a
vítima. Porém, algumas outras chamam atenção. A primeira delas era a
necessidade de uma avaliação sobre a atual “condição
psíquica” de André[10] a
fim de estabelecer uma causalidade direta entre o sofrimento psíquico gerado
pela “violência sexual” e os possíveis traumas decorrentes de tal situação. Ou
seja, não bastava saber se André tinha sido ou não abusado e se o crime
ocorreu, mas era necessário informar o sofrimento causado pela “violência
sexual” e os possíveis desdobramentos de tal experiência.
Tais
desdobramentos fazem referência à dúvida central que motivava o processo e o
próprio adolescente: o fato de ter se tornado gay. No relatório, ele relatava
que percebeu que mudou muito após o estupro e que hoje, com a maioridade,
conseguia “entender muitas questões”.
Dado o caráter da solicitação, não havia nela muitos detalhes sobre o crime,
mas, acompanhando o pequeno relatório, André narrava explicitamente como tudo
ocorreu e como muitas vezes se sentiu culpado por ter sofrido “violência
sexual”. No procedimento policial, o que se destaca de início é a negação por
parte da psicóloga-policial em estabelecer qualquer tipo de causalidade entre
André ser gay e ter sofrido “violência sexual” na infância. Posteriormente, em
diálogo com André, ele disse que acreditava, sim, haver relação dos fatos e se
sentia triste por isso porque achava que se fosse hétero, “tudo seria mais fácil”. Além disso, diz que sustentava tudo isso
com o intuito também de encontrar uma justificativa para mover a denúncia tanto
tempo depois.
O que se percebe diante desta síntese é que as
investigações criminais, o sistema de justiça e as instituições que
operacionalizam esses sistemas, são permeados por inúmeras tramas e questões que
também auxiliam a constituir as narrativas dos sujeitos que ali circulam. Mas
sobretudo auxiliam a produzir enunciados partindo de lugares institucionais que
só são legitimados quando são produzidos dentro de algumas concepções
hegemônicas, pois o lugar de enunciação é “determinado por regras
sócio-históricas que definem e possibilitam que ele seja enunciado” (Gregolin,
2004, p. 26).
Esse cenário nos
mostra que o sujeito também se encontra preso a uma identidade marcada pela
produção e representação de uma concepção pautada sobre o dualismo sexo/gênero.
No âmbito desta investigação existia a compreensão de que o sexo
interpela o gênero, carregando o pressuposto de que o sexo seria biológico,
pré-discursivo (Butler, 2003). Tendo em vista que a cisnormatividade molda a
atividade social (Bauer et al., 2009), as
investigações criminais também estão organizadas dentro deste sistema e
contribuem para manutenção de uma ordem no campo da sexualidade, que parte da
ideia de que o sexo aparece como algo inato ao ser e, por isso, deve ser
protegido.
Tal proteção, está
pautada na possibilidade de diagnosticar sexualidades diferentes da norma. Uma metafísica da substância imbuída na
hipótese de alguém “ser” um gênero (Butler, 2003), ou no caso das crianças de
ainda não “ser” esse gênero e por isso deverá ser protegido. Isso implica
também que alguém só “é” ou “torna-se” mediante a coerência entre corpo, sexo,
gênero, prática sexual e desejo.
Enquanto autoridade
jurídica que disciplina os sujeitos, as investigações criminais colocam o campo
da sexualidade como objeto de regulação e disciplinam sexualidades consideradas
desviantes mediante a chancela também da proteção de tais sujeitos. Isso auxilia a manter um campo de lutas em
torno de significações discursivamente produzidas e legitimadas pelos próprios
sujeitos dentro deste campo de regulação.
André, ao dizer que se sentia triste e que havia se
tornado gay por conta do estupro, colocava em evidência a função estratégica do
próprio dispositivo. Foucault (2015) compreende que as práticas que operam pelo
dispositivo da sexualidade se inscrevem nos corpos dos indivíduos funcionando
como modos de objetivação; e são, no caso, pelos modos de objetivação que os
indivíduos são subjetivados e se transformam em sujeitos (Moruzzi, 2017).
Tais formas de subjetivação (Foucault, 2013) enunciam também
que não existe um sujeito alheio
aos regimes de verdade e por isso tais sujeitos se constituem também na
experiência da “violência sexual”. Tais experiências
estão atravessadas por uma normatização que mesmo os sujeitos que escapam da
norma heterossexual por exemplo, como no caso de André, reproduzem o modelo
explicativo sobre a sua constituição utilizando-se tal como afirma Butler (2018)
de uma identificação com o fantasma normativo do sexo.
O que está em jogo neste cenário é que tais dispositivos possibilitam um
esquadrinhamento da criança, do seu corpo e da sua sexualidade, por meio de uma
atmosfera que só ganha sentido naquele contexto, ou seja, tornam visível certo
modo de ser criança, certo modo de viver a infância e a colocação do exercício
de sua sexualidade dentro da normalidade (Moruzzi, 2017).
Já em outro caso, acompanhamos
o desenrolar de um episódio de “violência sexual” de uma criança com 10 anos. Mateus
consta como vítima de estupro de vulnerável em boletim de ocorrência comunicado
por sua mãe, Rose. Segundo relato, o pai de Mateus, ex-marido de Rose, teria
sido o perpetrador dos fatos. O pai que não detém a guarda, recebe o filho
quinzenalmente. Na entrevista com a mãe, a mesma relata que há um mês o filho
disse-lhe que o pai ficava mexendo no seu pênis, porém ela afirma não ter dado
muita importância. Porém, a criança voltou a falar sobre isso para mãe, repetindo
diversas vezes que "o pai ficou
mexendo de volta" e "o pai
ficou brincando com o meu pipi". Assim, ao comentar o caso com seu
advogado, responsável pela separação, este a orientou a ir até a delegacia para
que registrasse um boletim de ocorrência.
Rose fala que não
conversou com o ex-marido sobre o fato, mas que juntando isso aos maus cuidados
que ele tem com o filho, gostaria que não tivesse mais o direito das visitas.
Fala que o ex-marido é muito "machista"
e que acredita que ele deva estar ensinando o filho a se masturbar, pois teme
que o filho "vire gay", já
que ele gosta de brincar de bonecas e não gosta de futebol. Inclusive, ressalta
que o ex-marido, certa vez, falou a Rose que "o filho viraria gay por causa dela". Assim, não acha que
ele esteja mexendo no pênis da criança com o intuito de abusar do filho, mas
sim de estimulá-lo a "ser
homem".
Além da questão
ainda hegemônica sobre as masculinidades que “tendem a envolver padrões
específicos de divisão interna e conflito emocional, precisamente por sua
associação com o poder generificado” (Connell & Messerschmidt 2013, p. 271),
esse caso chama ainda mais atenção, quando no atendimento à mãe, a criança
escuta a sua mãe falar que o pai tinha medo que ele se tornasse gay. Mateus
rapidamente intercepta (sem muito bem entender o conteúdo da conversa): “- Então eu sou gay? O que é ser gay?”. A
mãe rapidamente responde à Mateus: “não
não filho, você é homem” e desconversa o assunto. Percebemos assim a reprodução
interpretativa da sexualidade na infância, mediada por concepções autocêntricas
dos sujeitos. Contudo, isso não implica também que estes sujeitos não estejam envoltos
em seus respectivos conflitos que amarraram concepções de gênero, sexualidade e
infância.
Novamente no caso da infância,
percebemos que não existe apenas a concepção de uma diferença sexual, mas sim
“uma transversalização das relações de poder, uma diversidade de potências de
vida” (Preciado, 2011). Nesse sentido, é precisamente na postura crítica à
diferença sexual e no escrutínio nos discursos que estão presentes nestas cenas
que entendemos que o olhar sobre o gênero e a sexualidade da/na infância, são também
sustentados por um caráter normativo. Mateus por supostamente não condescender
a masculinidade incutida ao seu sexo sofre “violência sexual” por parte do pai
e depois, na busca por punição ao próprio pai, Mateus ao enunciar sua dúvida,
marca naquele momento o lugar onde talvez ouviria a expressão “ser gay” pela
primeira vez.
Já em outro caso, após a
realização do exame de corpo de delito pelo Instituto Médico Legal (IML),
Yasmim chega na delegacia acompanhada de duas conselheiras tutelares e sua mãe.
O exame já comprovava o estupro, mas, como diligência obrigatória da instituição,
era necessária a realização de um atendimento por parte da psicóloga-policial para
ouvir a vítima. Além da vítima, todos que a acompanhavam foram ouvidos. Aparentando
não entender muito bem tudo o que tinha acontecido, Yasmim com 12 anos revela o
padrasto como abusador. Após o atendimento, chama-se a mãe para entrevista e a
mãe diz que muitas vezes achou estranho a filha “ficar sentada no colo dele, quando saía do banho”, diz que não
gostava destes comportamentos. Quando a filha fazia isso, perguntava para ela
sobre o porquê desse comportamento, e, como Yasmim não respondia, a mãe sempre a
repreendia quando presenciava tal situação. A mãe diz estar muito abalada, pois
o marido sempre foi “bom” para elas.
Após a mãe, as conselheiras foram
ouvidas juntas e contam que foi a escola quem denunciou o crime. Segundo elas,
Yasmim contou para uma colega e essa colega contou a uma professora. Em
determinado momento elas afirmam: “olha,
é muito triste tudo isso, mas se você olhar para ela, já é uma moça”; “eu não
entendo como uma mãe deixava a filha fazer isso”, e finalizam “se a mãe não sabia o que fazer com a filha,
ela poderia ter encaminhado para alguém acompanhar e dar suporte para então
evitar tudo isso”.
Seja qual for o âmbito, tais
afirmativas nos mostram a necessidade de debater questões relativas a gênero e
feminismo e sua relação com a infância. Como Yasmim não se esquadrava na noção
naturalizada de infância, entendida como uma fase da vida associada a noções de
fragilidade, inocência, não racionalidade e pré-logismo (Ariés, 1981), a
compreensão do crime passa também pela exigência moral de corresponder ao ideal
desta infância como um bem juridicamente a ser protegido.
Além disso, a últimas duas cenas
nos permitem colocar em valimento os desdobramentos e consequências dos atos
criminosos. Enquanto crime (hetero)sexual – no caso de Yasmim – levantou suspeita
sobre a vítima e o contexto em que o crime ocorreu, nos crimes de natureza
homossexual, em nenhum momento foi colocada ou enunciada a suspeição da vítima e/ou
o consentimento do crime por parte de alguém envolvido no ato. O que demonstra
que, mesmo nos casos de “violência sexual” na infância, existem sexualidades
que devem ser reiteradamente excluídas da possibilidade de legitimação (Lowenkron,
2007), mesmo que seja na investigação criminal no caso de “violência sexual”.
Existem então, outras assimetrias para além do marcador etário que configuram e
moldam as concepções de crime e “violência sexual”.
André, Yasmim, Mateus e talvez
muitas outras crianças, estão inscritas sob lógicas análogas. São lógicas ancoradas
pelos ideais modernos de infância, onde a criança é o sujeito que está sempre
em fase de desenvolvimento, infantil, inocente e ingênuo. Amparado nesta ideia os
crimes sexuais interferem também na coerência normativa entre
gênero-sexo-sexualidade destes sujeitos.
As cenas narradas
acima deixam claro a colisão direta com o que Preciado (2014) sustenta. Segundo
ele, a criança “é sempre um corpo a quem não se reconhece o direito de
governar” (Preciado, 2014, online) e como em geral as práticas de gênero são
construídas através de eventos e interpretações culturais sobre o sexo é preciso
definir e acompanhar o aparato ou a maquinaria de poder (Foucault, 1987) que
esquadrinha, desarticula e recompõe os sujeitos. O poder age na subjetividade e
nos corpos de forma acentuada na infância, prescrevendo um “sexo natural” e uma
coerência sobre ele.
Trata-se,
portanto, da colocação exata do sexo em determinada forma de discurso, no
discurso considerado verdadeiro, o discurso que na anormalidade do crime coloca
a expressão do desejo como algo normal e atua para o sujeito como um processo
coercitivo de normalização em seu próprio discurso.
No caso da infância, existe ainda
uma subjetividade condicionada, que naturaliza sistemas normativos
(sexo/gênero) como também do sujeito de desejo (Áran, 2006), mostrando que nos
cenários investigados sobre a “violência sexual” na infância, se produzem
gêneros inteligíveis (Butler, 2003; 2009) e talvez limitações no entendimento
sobre gênero, infância e sexualidade.
Tais limitações que estão historicamente constituídas desde o século XVIII (Foucault,
2015) demonstram um esforço ao controle do corpo das crianças que sustentam a
ideia de que as crianças, nesse contexto, são compreendidas ora como seres indefesos,
inocentes, em perigo, ou ora como seres perigosos (Foucault, 1987; 2001) e o segundo,
em se tratando da violência sexual, "o sexo foi aquilo que, nas sociedades
cristãs, era preciso examinar, vigiar, confessar, transformar em discurso” (Foucault,
1992, p. 230). As investigações criminais possibilitam colocar em discurso
justamente essas duas lógicas e é interessante observar o quanto a sexualidade
infantil se torna alvo de preocupação e controle, necessitando ser
constantemente monitorada e inclusive orientada pelo próprio discurso dos
sujeitos.
Pensar sobre como podemos elaborar
práticas que caminhem com a possibilidade de “produzir
uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas
contemporâneas engendram, naturalizam e mobilizam” (Butler, 2003, p. 24). Talvez,
somente pela transformação social impulsionada por tais questionamentos,
conseguiremos desestabilizar alguns sistemas e colocar em suspeição
determinadas concepções que continuamente geram e reiteram desigualdades de
gênero demonstrando que existem limites nas práticas que promovem os direitos
de crianças e adolescentes.
Considerações
finais
O enfoque dado neste artigo, buscou
mostrar que as investigações criminais de estupro contra crianças e
adolescentes, também podem se constituir por um viés normativo que modela e
chancela existências de gêneros inteligíveis (Butler, 2003) consentidas pela
ideia de proteção à sexualidade e à infância. Nessa relação não há espaço para
contradições ou hesitações em relação ao sexo, corpo e gênero, mas um espaço de
produção de gramáticas generificadas destinadas à infância.
A partir dos
cenários acompanhados podemos pensar como o discurso hegemônico da garantia de
direitos e proteção à infância está demarcado em um espaço de intervenção e
governo desses elementos, acentuando maneiras recorrentes de normatização dos
sujeitos. Não levando em consideração que estes cenários
também produzem os sujeitos que buscam proteger e estertoram o gênero e a
sexualidade na infância.
Marc Bessin (2011) demonstra as
ambivalências entre “veiller sur” (cuidar de/dar atenção a) e as políticas que
hoje envolvem “surveiller” (vigilância). Segundo ele, “a ces pratiques de surveillance s'ajoutent des formes plus diffuses de
contrôle” (Bessin, 2011, p. 79). Tal controle preventivo dos desvios do
comportamento, está expressado claramente em normas e leis, que ora são
consideradas indispensáveis ao funcionamento da sociedade contemporânea, ora atuam
como uma forma de dominação moral implícita (Kant de Lima, 2013; Foucault, 1987)
por isso, são movimentos que se intercalam e constituem os cenários aqui
descritos.
Sabemos que as
investigações criminais como um dos sistemas de proteção à infância são um
efeito da sociedade regida pelos dispositivos de segurança. Foucault (2008)
afirma que a sociedade procura criar mecanismos em função de acontecimentos
possíveis que precisam ser regularizados. Nesse sentido, as investigações
criminais possibilitam gerir e/ou colocar em destaque uma série de técnicas de
vigilância que constroem e classificam irregularidades no campo do gênero na
infância. Entendemos que a violência é um campo sempre aberto a significação (Rifiotis,
2014) e, por isso, no cenário aqui relatado, desempenha papel fundamental nas
relações de produção do gênero e da sexualidade na infância, possibilitando
questionar os efeitos legítimos dos saberes e poderes produzidos em seu próprio
nome.
Percebemos aqui
como as práticas de proteção e garantia de direitos podem promover uma “essencialização”
do gênero construindo determinados modos de ser na infância. Por isso, chamamos
atenção para a necessidade da inserção de reflexividade e distanciamento dentro
destas políticas para não reproduzirem e legitimarem concepções heteronormas em
suas práticas. Para isso são necessários deslocamentos e recomposições no
interior do dispositivo da sexualidade, pois tal dispositivo arrasta
normatizações para a ordem do desejo, do gênero e da infância. O nosso argumento
está calcado na afirmação de que as políticas de proteção à infância estão norteadas
por diversas estratégias ancoradas na punição como forma de governo e no anseio
de tal punição acabam por proteger uma suposta sexualidade hegemônica associada
a uma puerícia construção biológica dos corpos dessas crianças.
Gênero nesse caso
aparece no modo como lidamos com o poder, nas relações interpessoais,
hierarquizando e valorizando o masculino em detrimento do feminino (Scott, 1989)
e, portanto, as suas mudanças, só são possíveis a partir do reconhecimento
das necessidades do Estado e a ligação explicita com o poder (Foucault, 1987;
2013) de tais relações. Como demonstrado aqui,
existe sim a constituição de experiências dissidentes na infância e cabe a nós,
recordar e/ou acompanhar os processos de elaboração de si onde o confronto às
normas sexuais é vivido como parte inalterável da constituição daquele espaço.
Por fim, defendemos o direito das crianças de serem subjetividades políticas
irredutíveis a uma identidade de gênero, de sexo ou de raça (Preciado, 2014).
Bibliografia
Áran,
M. (2006).
A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora. 9 (1), 49-63. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982006000100004
Aries,
P. (1981).
História Social Da Criança e Da Família. Guanabara: Antropologia
Social.
Bauer, G. R., Hammond, R., Travers, R., Kaay, M.,
Hohenadel, K. M. & Boyce, M. (2009). “I Don‟t Think This Is Theoretical; This Is
Our Live”: How Erasure Impacts Health Care for Transgender People. Journal of the Association of Nurses in AIDS
Care, 20 (5), 348-361. https://doi.org/10.1016/j.jana.2009.07.004
Bessin, M. (2011). Les ambivalences de l’intervention sociale en
direction des familles. La Protection Maternelle et Infantile entre “protection
de l’enfance” et “soutien à la parentalité”. Anne-Sophie Vozari. https://www.caf.fr/sites/default/files/cnaf/Documents/Dser/dossier_etu
des/dossier_136_-_ambivalences_pmi.pdf>.
Constituição Da República Federativa Do Brasil: Texto Constitucional
Promulgado Em 5 de Outubro de 1988, Com as Alterações Adotadas Pelas Emendas
Constitucionais Nos 1/1992 a 99/2017, Pelo Decreto Legislativo Nº 186/2008 e
Pelas Emendas Constitucionais de Revisão Nos 1 a 6/1994. (1988).
Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara.
Bento, B. (2011). Corpos
e Próteses: dos Limites Discursivos do Dimorfismo. Sexualidades, corporalidades e transgêneros: narrativas fora da ordem,
UnB. http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/B/Berenice_Bento_16.pdf
Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e
subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira.
Butler. J. (2009).
Desdiagnosticando o gênero. Physis, Rio de Janeiro,
19, 1: 95-126. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100006
Butler, J.
(2018). Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. Em Louro,
Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo
Horizonte: Autêntica Editora.
Connell, R. &
Messerschmidt, J. (2013). Masculinidade hegemônica:
repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 21 (1), 241-282. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
Dobke, V. M., Santos, S. S. dos, Dell'aglio,
D. D. (2010). Abuso sexual intrafamiliar: da notificação
ao depoimento no contexto processual-penal. Temas em Psicologia, Ribeirão
Preto, 18 (1), 167-176. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v18n1/v18n1a14.pdf
Ferreira, M. S.
(2016). Sobre crianças, sexopolítica e escrita de si. Rev. Polis Psique, Porto Alegre, 6, 51-64. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-152X2016000100005
Freire, S. F. de C., Sabaranese,
S. & Branco, A. U. (2009). A perspectiva
das crianças sobre as questões de gênero na escola. Psico, 40 (2), 184-193. http://revistaseletronicas.pucrs.br/revistapsico/ojs/index.php/revistapsico/article/view/4062
Fornari, L. F., Sakata-So, K.
N., Egry, E. Y. & Godoy Serpa da Fonseca, R. M. (2018).
Gender and generation perspectives in the narratives of sexually abused women
in childhood. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, 26, e3078. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2771.3078
Foucault, M.
(1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27. ed. Petropolis: Vozes.
Foucault, M.
(1992). As palavras e as coisas. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes.
Foucault, M.
(2001). Os anormais. São Paulo: Martins Fontes.
Foucault, M.
(2008). O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.
Foucault, M.
(2013). A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau.
Foucault, M.
(2015). História da sexualidade 1: a vontade de saber. 3. ed. Rio de
Janeiro: Graal.
Gregolin, M. do R. (2004). O enunciado e o arquivo: Foucault (entre)vistas. In:
V. Sargentini, y P. Navarro-Barbosa (Org). Foucault e os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos:
Claraluz.
Harding, S.
(1993). A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Revista Estudos Feministas, I (1), 7-32. https://doi.org/10.1590/%25x
Kant de Lima, R. (2013).
Entre as leis e as normas: Éticas corporativas e práticas profissionais na
segurança pública e na Justiça Criminal. DILEMAS: Revista de Estudos de conflito de controle social,
Rio de Janeiro, 6 (4), 549-580. https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/5326/1/artigo_kant_revista_dilemas_0.pdf
Lauretis,
T. de. (1987). The technology of gender. Indiana: University Press.
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990).
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
Lowenkron, L. (2007). (Menor)idade e consentimento sexual em uma
decisão do STF. Revista de
Antropologia (USP), 50 (2),
713-745. https://doi.org/10.1590/S0034-77012007000200007
Maluf,
S. (2006). Políticas e teorias
do sujeito no feminismo contemporâneo 1980-2005. Fazendo
Gênero, 7.
http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/S/Sonia_Weidner_Maluf_06.pdf
Marchi, R. de C.
(2011). Gênero, infância e relações de poder: interrogações epistemológicas. Cad.
Pagu, Campinas, 37, 387-406. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332011000200016.
Minella, L. S.
(2006). Papéis sexuais e hierarquias de gênero na História Social sobre
infância no Brasil. Cad. Pagu,
Campinas, 26, 289-327. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100013.
Moruzzi, A. B.
(2010). Infâncias: necessárias articulações entre gênero e sexualidade e
contribuições dos cadernos Pagu. Fazendo
Gênero, 9. http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277861401_ARQUIVO_INFANCIAS-NECESSARIASARTICULACOESENTREGENEROESEXUALIDADEECONTRIBUICOESDOSCADERNOSPAGU.pdf
Moruzzi, A. B.
(2017). A infância como dispositivo: uma abordagem foucaultiana para pensar a
educação. Conjectura: Filos. Educ.,
Caxias do Sul, 22 (2), 279-299. http://dx.doi.org/10.18226/21784612.v22.n2.04
Muylaert, C., Samtos de Souza
Delfini, P. & Reis, A. O. A. (2015). Relações de
gênero entre familiares cuidadores de crianças e adolescentes de serviços de
saúde mental. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, 25(1), 41-58.
https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000100004
Preciado, B.
(2011). Multidões queer: notas para uma política dos ''anormais'. Estudos Feministas,
(1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
Preciado, B.
(2014). Quem defende a criança queer? A ideia de 'criança-a-ser-protegida'
permite ao adulto naturalizar a norma heterossexual. Revista Geni, 16, 1-9. http://revistageni.org/10/quem-defende-a-crianca-queer/
Ribeiro, J. S. B.
(2006). Brincadeiras de meninas e de meninos: socialização, sexualidade e
gênero entre crianças e a construção social das diferenças. Cad. Pagu, Campinas, 26, 145-168. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100007
Pretto, Z. & Lago, M. C. S. (2013). Reflexões sobra
infância e gênero a partir de publicações em revistas feministas brasileiras. Revista Ártemis, XV
(1), 56-71. http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/artemis/article/view/16638/9495
Rifiotis, T.
(2014). Judicialização dos direitos humanos, lutas por
reconhecimento e políticas públicas no Brasil: Configurações de sujeito. Revista
De Antropologia, 57 (1), 119-44.
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2014.87755.
Rubin, G. (2017). Politicas do sexo. São Paulo: Ubu Editora.
Saffioti, H. (2001). Contribuições
feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, Campinas, 16,
115-136. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332001000100007
Scott, J. (1989). Gender: a useful category of historical
analyses. New York, Columbia University
Press. http://dx.doi.org/10.2307/1864376
Toneli,
M. J. F. (2008).
Diversidade sexual humana: notas para a discussão no âmbito da psicologia e dos
direitos humanos. Psicol. clin., Rio de Janeiro, 20 (2), 61-73. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-56652008000200005
Xavier Filha, C. (2016). Gênero
e sexualidade na infância: circulação de ideias na internet. Revista Ártemis, XXII,
1, 85-100. http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/view/32134/0
[1]
Este trabajo se llevó a cabo con el apoyo de la Coordinación de Mejoramiento
del Personal de Educación Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamiento
001
[2]
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Correo electrónico: joaoroberti@gmail.com
[3]
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Correo electrónico:
juracy.toneli@gmail.com
[4]
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Correo electrónico: adrianobeiras@ufsc.br
[5]
Violência é aqui utilizada com aspas, a fim de (re)pensar ferramentas
do/no trato com as práticas que emergem a partir desta categoria. Utilizá-la
com o intuito de pensar e problematizar uma concretude operacional deste
fenômeno que não é o fenômeno da “violência” em si, mas a perspectiva que ela
assume, emergindo diante de uma agenda social e consequentemente de uma prática
operacional (Rifiotis, 2014) que se coloca muitas vezes como um significante
vazio, aberto a inúmeras interpretações e significados. Ressalta-se
que não se pretende aqui se eximir da responsabilidade e denúncia numa
tentativa de relativização do fenômeno da “violência sexual”, mas antes, pensar
estratégias e possibilidade críticas de encarar as políticas que instauram e
mantêm a hegemonia de uma certa visão da sexualidade na infância.
[6]
A opção de pautarmos a categoria “infância” é uma opção estratégica a fim de
abarcar e não utilizarmos outras categorias que carregam tradições históricas e
científicas específicas e que também produzem sentidos específicos e limitados,
tais como a diferença entre criança e adolescente que carregam limites
interpretativos temporais e em alguns momentos limítrofes. Com a utilização da
categoria infância, buscamos borrar a fronteira classificatória entre algumas
entidades universais e, de alguma forma, desestabilizar determinados conceitos
relacionados nessas socialidades. Existe sim a necessidade de “desestabilizar”
estas categorias, pois possuem diferentes tratamentos, conforme as
possibilidades e as práticas performativas assumidas em determinados ambientes
ou contextos. Entendemos então que “diferentes crianças habitam diferentes
infâncias, abrindo a possibilidade interpretativa” (Moruzzi 2010, p. 1), além
disso, ao fazermos o uso do termo infância, fazemos referência a uma tradição
de estudos sociais que problematizam e dão escopo a tal perspectiva. Tais
estudos sociais se constroem sobre uma dupla afirmação: “da criança como ator e
da infância como construção social” (Marchi, 2011, p. 389). O que existem
então, são infâncias situadas.
[7]
Sabemos que existem teorias que agravam e possibilitam tal ideia. Muitas
teorias da própria psicologia do desenvolvimento como no pensamento de Piaget,
onde a singularidade e a universalidade da infância são marcas centrais,
coadunam para estruturar a universalidade da concepção de infância. Em muitas
teorias de inspiração evolutiva, desenvolvimentista, maturacional e linear “”a
racionalidade adulta” é a marca a ser atingida através de estágios
pré-determinados no desenvolvimento cognitivo da criança” (Marchi 2011, pp. 390-391)
e, portanto, para tais teorias, a infância é um lugar “neutro” e/ou lugar onde
se jazida toda socialização adulta e a criança “apenas” reproduz tais
manifestações e indícios. Teorias como estas, operaram e ainda operam como
matrizes disciplinares.
[8]
O estudo realizado por Luzinete Simões Minella (2006), demonstra como existem
hierarquias de gênero na História Social sobre infância no Brasil e que na
literatura historiográfica brasileira, prevaleceu um certo androcentrismo por
parte das pesquisadoras e que muitas das pesquisas não refletem uma atitude
crítica a respeito da invisibilidade das meninas em seus estudos, privilegiando
então os meninos. Além disso, Minella demonstra que mesmo nos estudos sobre
infância, saber e poder se constituem sempre reciprocamente (Minella, 2006).
[9]
Para fins de organização do cenário descritivo do lógica processual-penal,
trabalhamos aqui com a diferença entre revelação, notificação e denúncia.
Enquanto que a primeira, refere-se ainda ao processo anterior ao ingresso no sistema
de justiça, o segundo e o terceiro momento, já são procedimentos realizados no
âmbito judicial. A notificação é a comunicação formal da suspeita ou da prática
da “violência sexual” ao Conselho Tutelar (Brasil, 1990) ou para outra
autoridade, como por exemplo, Juiz de Direito, Promotoria de Justiça ou
Delegacia especial, que não devem jamais se escusarem de receber tal denúncia,
e devem dar encaminhamento a vítima para instituição ou autoridade apropriada.
Já o terceiro momento de denúncia, se refere ao momento concomitante a
realização das investigações em que havendo prova de crime, o delegado de
polícia apresenta denúncia para realização das diligências processuais-penais.
Para mais informações, sugerimos a consulta da Lei 8.069/1990 (Dispõe sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente) e da Lei 13.431/2017 (Estabelece o sistema de
garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de
violência).
[10]
A fim de garantir o sigilo, todos os nomes aqui utilizados foram trocados. Além
disso, por se tratar de uma delegacia regional, alguns detalhes mais
específicos sobre os crimes também foram suprimidos para não possibilitar a
identificação do lugar e/ou dos sujeitos da pesquisa e consequentemente a
explicitação da instituição.